Introdução
Princípios físicos
Escoamento Unidimensional
Escoamento com variação de área
Choque Normal
Escoamento com troca de Calor (Escoamento de Rayleigh)
Escoamento unidimensional com atrito
Certificado

FT2.T. Estados de referência

Condição de estagnação; condição crítica; equações em função de Mach.

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Fundamentos de escoamento compressível unidimensional

Escoamento unidimensional em regime permanente isoentrópico é uma simplificação útil para escoamentos em dutos e em tubos de corrente. As equações obtidas são simples e permitem cálculos rápidos para uma grande variedade de problemas de engnemharia.

No caso de dutos adiabáticos pequenos, como em bocais e difusores, a aproximação para processo reversível é util para determinar a eficiência de bocais e difusores reais. Escoamentos fora da camada limite também possuem efeitos dissipativos desprezíveis, o que torna as equações isoentrópicas úteis nesses escoamentos.

O escoamento pode ser aproximado como unidimensional quando a taxa de variação das propriedades na direção normal às linhas de corrente são desprezíveis quando comparadas com a taxa de variação na direção da linha de corrente. As seguintes situações podem ser analisadas:

  • Escoamentos em bocais e difusores
  • Ondas de choque normais
  • Escoamento com adição de calor
  • Escoamento com atrito

Considere um escoamento unidimensional permanente entre dois pontos no escoamento, identificados como 1 e 2. Aplicando a primeira lei da termodinâmica entre esses dois pontos, temos:

(1)   \begin{equation*}dE = \delta Q + \delta W\end{equation*}

Podemos escrever a equação da energia em termos de suas parcelas intensivas (pois a taxa mássica é a mesma entre os pontos):

(2)   \begin{equation*}de = \delta q + \delta w\end{equation*}

Considerando o escoamento adiabático e sem realização de trabalho, temos:

(3)   \begin{equation*}de = 0\end{equation*}

Os termos de energia são: entalpia (que envolve a energia interna mais o trabalho de fluxo), cinética e potencial. Desprezando o termo de energia potencial:

    \begin{equation*}\begin{aligned}de = dh +de_K &=0\\h_2-h_1 + \frac{V_2^2}{2} - \frac{V_1^2}{2} &= 0\\\end{aligned}\end{equation*}


(4)   \begin{equation*}h_2 + \frac{V_2^2}{2} = h_1 +\frac{V_1^2}{2}\end{equation*}

Condição de estagnação

Vamos imaginar que o ponto 1 será desacelerado isoentropicamente para velocidade nula. Nessa condição estagnada, podemos obter a temperatura, pressão e massa específica de estagnação, que são associadas ao elemento de fluido enquanto ele de fato se movimenta à velocidade \vec{V}, com pressão P e temperatura T, chamadas de pressão e temperatura estática, respectivamente. Assim, considerando o ponto 2 como a condição imaginária de velocidade nula:

(5)   \begin{gather*}h_2 + \frac{V_2^2}{2} = h_1 +\frac{V_1^2}{2} \nonumber \\h_2 = h_1 +\frac{V_1^2}{2} \nonumber \\h_0 = h_1 +\frac{V_1^2}{2}\end{gather*}

O ponto estagnado será representado pelo subíndice ‘o’.

A entalpia de estagnação é a entalpia obtida quando o escoamento é levado à velocidade nula sem adição ou remoção de calor. Fisicamente nós não temos o “feeling” do que representa a entalpia de estagnação, mas podemos relacioná-la à temperatura de estagnação. Para gases ideais, sabemos que a entalpia pode ser calculada em função do calor específico e da temperatura:

(6)   \begin{gather*}c_P T_0 = c_P T_1 + \frac{V_1^2}{2} \nonumber \\T_0 = T_1 + \frac{V_1^2}{2.c_P}\end{gather*}

A Eq.(6) fornece a temperatura de estagnação para o ponto. Ela representa o aumento de temperatura devido à conversão de energia cinética em energia térmica.

Exemplo

Demonstre que a temperatura de estagnação é constante para um escoamento isoentrópico
Um escoamento isoentrópico é adiabático e reversível. Assim, não há troca de calor. Considerando um escoamento entre dois pontos 1 e 2 sem realização de trabalho de eixo, temos:

    \begin{equation*}h_1 + \frac{V_1^2}{2} = h_2 + \frac{V_2^2}{2}\end{equation*}


Mas, da definição da entalpia de estagnação:

    \begin{equation*}h_o=h+\frac{V^2}{2}\end{equation*}


Assim:

    \begin{equation*}\begin{aligned}h_{o1}=h_1 + \frac{V_1^2}{2} &= h_2 + \frac{V_2^2}{2} = h_{02} \\h_{o1} &= h_{o2} \\c_P.T_{o1} &= c_P.T_{o2} \\T_{o1} &= T_{o2}\end{aligned}\end{equation*}




A velocidade de estagnação é:

(7)   \begin{equation*}V_1 = \sqrt{2.c_P(T_o-T_1)}\end{equation*}

Observamos que para T_1=0 a velocidade é máxima e igual a V_{max} = \sqrt{2.c_P.T_0}. Uma outra velocidade útil é a velocidade do som na temperatura de estagnação:

(8)   \begin{equation*}c_0 = \sqrt{k.R.T_0}\end{equation*}

Temperatura de estagnação

A razão entre a temperatura de estagnação e a estática é:

(9)   \begin{equation*}\frac{T_o}{T_1} = 1 + \frac{V_1^2}{2.c_P.T_1}\end{equation*}

Para escoamentos compressíveis, é útil representar a Eq.(9)em função do número de Mach. Sabemos que:

    \begin{equation*}\begin{aligned}M=\frac{V}{c} &= \frac{V}{\sqrt{[k.R.T]}} \\V &= M.\sqrt{k.R.T}\end{aligned}\end{equation*}

Substituindo na Eq.(9):

    \begin{equation*}\begin{aligned}\frac{T_o}{T_1} &= 1 + \frac{V_1^2}{2.c_P.T_1} \\\frac{T_o}{T_1} &= 1 + \frac{(M.\sqrt{k.R.T_1})^2}{2.c_P.T_1} \\\frac{T_o}{T_1} &= 1 + \frac{M^2.k.R.T_1}{2.c_P.T_1} \\\frac{T_o}{T_1} &= 1 + \frac{k.R}{2.c_P}.M^2\end{aligned}\end{equation*}

O termo \frac{K.R}{c_P} pode ser reescrito como:

    \begin{align*}\frac{K.R}{c_P} = \frac{K.(c_P-c_v)}{c_P} =k\left(\frac{c_P}{c_P}-\frac{c_v}{c_P}\right)= k\left(1-\frac{1}{k} \right)= k\left(\frac{k-1}{k} \right)= k-1\end{align*}

Substituindo:

(10)   \begin{equation*}\boxed{\frac{T_o}{T_1} = 1 + \frac{k-1}{2}.M^2}\end{equation*}

Pressão e massa específica de estagnação

Das equações isoentrópicas para gases ideais, temos:

    \begin{equation*}\frac{T_0}{T_1} = \left(\frac{P_0}{P_1}\right)^{\frac{K-1}{K}} = \left(\frac{\rho_0}{\rho}\right)^{k-1} \end{equation*}

Assim:

    \begin{equation*}\frac{P_0}{P} = \left(\frac{T_0}{T}\right)^{\frac{k}{k-1}} \\ \nonumber\end{equation*}


(11)   \begin{equation*}\boxed{\frac{P_0}{P} = \left(1 + \frac{k-1}{2}.M^2\right)^{\frac{k}{k-1}}} \end{equation*}


e

    \begin{equation*}\frac{\rho_0}{\rho} = \left(\frac{T_0}{T}\right)^{\frac{1}{k-1}} \\\end{equation*}


(12)   \begin{equation*}\boxed{\frac{\rho_0}{\rho} = \left(1 + \frac{k-1}{2}.M^2\right)^{\frac{1}{k-1}}} \end{equation*}

 

Velocidade do som de estagnação

Sabemos que a velocidade do som é c=\sqrt{k.R.T} e a velocidade do som de estagnação é c_0=\sqrt{k.R.T_0}. Assim:

    \begin{equation*}\frac{c_0}{c} = \frac{\sqrt{k.R.T_0}}{\sqrt{k.R.T}} = \left( \frac{T_0}{T}\right)^{\frac{1}{2}}\end{equation*}

Logo:

(13)   \begin{equation*}\boxed{\frac{c_0}{c} = \left( 1 + \frac{k-1}{2}M^2\right)^{\frac{1}{2}}}\end{equation*}

A pressão de estagnação é importante para calcular arrasto e carregamento estrutural.

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Razão entre propriedades de estagnação e estáticas em função do número de Mach para o ar (k=1,4)


Exemplo

Considere um veículo se movimentando num local em que a pressão atmosférica é de 1atm e a temperatura é de 25[^oC]. Determine as propriedades de estagnação se sua velocidade for:
a) 100Km/h; b) 500 Km/h; c) 1000Km/h

Inicialmente vamos determinar a massa específica do fluido e a velocidade do som no ambiente. Considerando o ar como fluido: k=1,4 e R=287 J/Kg.K
Da equação dos gases ideais, obtemos a massa específica do fluido:

    \begin{equation*}\begin{aligned}P &= \rho.R.T \\\rho &= \frac{1[atm].\frac{101,325[KPa]}{atm}}{0,287 [KJ/Kg.K]. (25+273,15)[K]} \\\rho &= 1,1841 [kg/m^3]\end{aligned} \end{equation*}



Devemos obter também a velocidade do som no meio:

    \begin{equation*}\begin{aligned}c &= \sqrt{k.R.T} \\c &= \sqrt{1,4.287.(25+273,15)} \\c &= 346,12 [m/s]\end{aligned}\end{equation*}



Para cada velocidade, podemos agora determinar o número de Mach e com as Eqs.9, 11 e 12, calcular as propriedades de estagnação. Assim:

v [Km/h]v [m/s]MTo/TToPo/PPo [atm]&rho o/&rho&rho o [Kg/m^3]
10027,780,081,0013298,531,00451,00451,00321,1879
500138,890,41,032307,751,11731,11731,08251,2817
1000278,780,81,13336,561,52821,52821,35381,6030



CONSIDERAÇÕES
Na equação dos gases ideais a temperatura deve ser convertida para Kelvin e a constante do gás R deve ter unidades consistentes, especialmente com a pressão. No caso, utilizando a pressão em [KPa], R deve ter unidades de [KJ/Kg.K]. Para a determinação da pressão de estagnação o valor pode ser mantido em atm nos cálculos, pois o fator de conversão para [Pa] é multiplicativo. No caso da temperatura o fator de conversão é uma somatória, por isso sempre deve ser convertida para a escala absoluta.

As condições características

Uma outra condição importante para o estudo de escoamentos compressíveis é a condição sônica, em que M=1. Essa condição é chamada de condição característica (ou condição crítica), e suas propriedades são representadas pelo superscrito “*“.
As equações características podem ser relacionadas com as condições de estagnação, bastando para isso substituir Mach nas Eqs. 10, 11 e 12:

    \begin{equation*}\frac{T_o}{T^*} = 1 + \frac{k-1}{2} = \frac{2+k-1}{2} = \frac{k+1}{2}\end{equation*}

Assim:

(14)   \begin{equation*}\boxed{\frac{T_0}{T^*} = \frac{k+1}{2}}\end{equation*}

(15)   \begin{equation*}\boxed{\frac{P_0}{P^*} = \left(\frac{k+1}{2}\right)^{\frac{k}{k-1}}}\end{equation*}

(16)   \begin{equation*}\boxed{\frac{\rho_0}{\rho^*} = \left(\frac{k+1}{2}\right)^{\frac{1}{k-1}}}\end{equation*}

Para o ar, k=1,4:

    \begin{align*}\frac{T_0}{T^*} &= \frac{1,4+1}{2} = 1,2 \\\frac{P_0}{P^*} &= \left(1 + \frac{1,4-1}{2}.(1)^2 \right)^{\frac{1,4}{1,4-1}} = 1,8929 \\\frac{\rho_0}{\rho^*} &= \left(1 + \frac{1,4-1}{2}.(1)^2 \right)^{\frac{1,0}{1,4-1}} = 1,5774 \\\end{align*}

Esse valor indica que o ar deve ser armazenado a aproximadamente 2 vezes a pressão atmosférica para que possa atingir a velocidade sônica quanto é liberado para a atmosfera.

Exemplo

O escoamento de ar entrando no bocal vindo do combustor tem pressão estática de 100KPa e M=2. O bocal então expande o escoamento de forma que a pressão estática caia para 20KPa na saída. Calcule a pressão de estagnação e o número de Mach na saída.


    \begin{gather*}\frac{P_0}{P} = \left(1+\frac{k-1}{2}M^2 \right)^{\frac{k}{k-1}} \\\frac{P_0}{100[KPa]} = \left(1+\frac{1,4-1}{2}2^2 \right)^{\frac{1,4}{1,4-1}} \\P_0 = 782,44[KPa]\end{gather*}



    \begin{gather*}\frac{P_0}{P} = \left(1+\frac{k-1}{2}M^2 \right)^{\frac{k}{k-1}} \\\left(\frac{P_0}{P}\right)^{\frac{k-1}{k}} = 1+\frac{k-1}{2}M^2 \\M^2 = \frac{\left(\frac{P_0}{P}\right)^{\frac{k-1}{k}} - 1}{\frac{k-1}{2}} \\M^2 = \frac{\left(\frac{782,44}{20}\right)^{\frac{1,4-1}{1,4}} - 1}{\frac{1,2-1}{2}} \\M = 3,04\end{gather*}